D. Duarte e o pecado da tristeza
D. Duarte faz no Capítulo XIX do "Leal Conselheiro" uma pormenorizada análise da melancolia - ou, como designou,"o pecado da tristeza" - de que padeceu. O meu propósito é relacionar o estado psicológico que descreve com as circunstâncias objectivas que o determinaram - ou para o qual objectivamente contribuiram - e, desse modo, sugerir a extraordinária modernidade da análise que faz na linguagem religiosa do seu tempo.
Helder Macedo é professor catedrático emérito da Universidade de Londres, King's College, onde foi "Camoens Professor of Portuguese".
A sua vasta obra ensaística inclui livros sobre Bernardim Ribeiro, Luís de Camões, Cesário Verde; as colectâneas de ensaios "Trinta Leituras", "Camões e outros contemporâneos" e (com Fernando Gil) "Viagens do Olhar: retrospecção, visão e profecia no Renascimento Português".
Notas dolentes – breves observações sobre a longa relação entre música e melancolia
A capacidade da música para afectar o estado emocional de quem a ouve (e de quem a pratica) parece evidente. Desde a Antiguidade que os filósofos se preocuparam aliás com os poderes da música e que os mitos a associaram a feitos extraordinários, como, por exemplo, o de Orfeu, cuja música era capaz de comover homens, animais e deuses e até desviar o curso dos rios. E não será por acaso que esse mesmo mito associe a música à morte e ao registo elegíaco. Pois, sendo certo que a música pode despertar diferentes tipos de emoções e disposições afectivas, há algo de misteriosamente sedutor e ao mesmo tempo desconcertante na relação de deleite que parece estabelecer com os nossos estados melancólicos. A história da música ocidental revela-nos aliás vários períodos, compositores e formas nos quais essa relação se estreitou, do Renascimento à música contemporânea, de John Dowland a Salvatore Sciarrino, do madrigal veneziano ao nocturne, passando pela pavana e pelo tombeau. Alguns chegaram mesmo ao ponto de dizer que toda a melancolia seria a condição da música – “de toda a música”! – o que emergiria paradoxalmente da sua incapacidade de significar e da ansiedade de articular um sentido (Steinberg) ou da particular relação que a música possui com o tempo e da forma como nos põe em contacto com a nossa própria temporalidade (Bar-Yoshafat). Mas, se a música tem a capacidade de nos fazer sentir e meditar sobre a nossa existência finita no tempo, ela também tem a capacidade de nos resgatar – momentaneamente – da nossa ansiedade cronofágica e, portanto, da influência de Saturno. Por outro lado, há também um embaraço da filosofia para explicar porque é que uma forma de arte não linguística, ou pelo menos, não representativa, já que não se refere a nada do mundo – se pensarmos evidentemente na “música pura” ou “absoluta”, aquela que não é acompanhada de palavras – pode ainda assim ser expressiva e capaz de nos comover. Mais desconcertante ainda, como é que uma actividade auto-referencial e sem aparente relação de causalidade (eficiente) com o mundo que lhe é exterior, tem supostamente – a acreditar em tantos autores e escritos médicos, pelo menos desde Ficino e até Oliver Sacks (mas poderíamos encontrar correspondências semelhantes noutras tradições) – um efeito terapêutico, nomeadamente, sobre estados melancólicos?
Nestas breves observações não se promete dar respostas, mas tão somente explorar e sublinhar as afinidades, as evidências e as perplexidades, passando por alguns exemplos particularmente expressivos dessa íntima e longa relação que a música possui com a melancolia.
Nuno Fonseca é actualmente investigador integrado do Instituto de Filosofia da Nova (Ifilnova), onde coordena o grupo «Arte, Crítica e Experiência Estética» do Culturelab, e colaborador do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM). Investiga vários tópicos da Estética e Filosofia da Arte, focando-se sobretudo na experiência sonora no âmbito das prácticas artísticas e musicais contemporâneas mas também no contexto do quotidiano urbano. Leccionou, na NOVA FCSH, a disciplina de “Retórica e Argumentação” (2012-2014), no curso de Ciências da Comunicação, o seminário “Arte e Experiência” (2012-2013), no âmbito do mestrado em Estética, e vários cursos de curta duração sobre a Filosofia dos Sons e das Artes Sonoras (2015-2018). Licenciado em Direito (1998) e em Filosofia (2004) pela Universidade de Coimbra, concluiu no ano 2012, o doutoramento em Filosofia (Epistemologia e Filosofia do Conhecimento) na NOVA FCSH, trabalhando sobre questões de representação e de percepção. Para além de vários artigos e capítulos publicados nacional e internacionalmente, é também o autor da primeira tradução integral d’A Lógica ou A Arte de Pensar, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian (2016). Desde os anos 90, ligado a experiências com o meio sonoro, nomeadamente, através da realização de programas radiofónicos na Rádio Universidade de Coimbra e mais recentemente na Antena 2, tem feito também algumas incursões na sonoplastia de espectáculos de teatro e performance, nomeadamente, Antológica (2014), de Vasco Araújo e do Teatro Cão Solteiro e Morceau de Bravoure (2015), espectáculo do Teatro Cão Solteiro com a Companhia Nacional de Bailado.
Sessão disponível na Canal YouTube do CHAM (web)
Comissão Organizadora
Adelino Cardoso (CHAM)
Teresa Lousa (CHAM)
Organização
CHAM / NOVA FCSH