Em muitas sociedades, mormente naquelas com mais elevado desenvolvimento tecnológico, atualmente, parece sobejarem sinais de valorização individual e social do cuidado de cada um consigo e com outrem, em diversos níveis, variavelmente interligados: estético, da saúde física e mental, cultural, religioso, político, económico, entre outros. De facto, muitos recursos criados e mobilizados, muito tempo despendido, muitas considerações práticas e até teóricas aplicadas, para fazer sentir que conseguimos cuidar de nós mesmos e de outrem.
Impulsionada pela Modernidade, a valorização do cuidado radica na emancipação cultural do indivíduo: a individualização tem sido a matriz estrategicamente desenhada para a criatividade epistémica (produção de saberes), para a participação cívica dos cidadãos de modo extensivo (politização dos indivíduos), para incrementar os gostos e as necessidades e, deste modo, dinamizar a relação entre produção e consumo (economização dos indivíduos) .... Tudo a partir da premissa de que cuidar de si e dos outros é potencialmente gerador de valor coletivo (bem comum).
Todavia, importa questionar criticamente como é configurado o cuidado, o que significa hoje, e enquanto experiência finita, quais as suas imperfeições ou até mesmo contradições, e se será afinal uma experiência congenitamente paradoxal. Antes de respondermos a estas e outras questões, importa não esquecer que cada indivíduo é sujeito de algo num dado tipo de contexto, dito de outro modo, encontra-se tipificado para pensar e agir de modo previsível e eficaz de maneira semelhante a outros indivíduos, na medida em que se coloca numa dada perspetiva (económica, política, epistémica, religiosa, etc.).
Estas interrogações são posicionadas filosoficamente no esforço de esboçar uma ética do cuidado de si, sinalizando alguns dos seus conceitos fundamentais: sujeito, subjetivação, objetivação, cuidado, indivíduo, liberdade.
Com inspiração em textos de Michel Foucault, propõe-se considerar a ética do cuidado de si como exercício ou prática da liberdade, cujo eixo conceptual tem de ser o sujeito ético centrado em si mesmo, na relação de si a si mesmo, analogamente ao que se produziu na peculiar cultura do cuidado de si durante os primeiros dois séculos da era cristã, com especial contributo do estoicismo helenístico-romano. Mas, como insiste Foucault, apesar de urgente, será mesmo inviável hoje uma efetiva ética do cuidado de si? Será este um esforço aporético, como pensa este filósofo, ou pelo contrário estamos hoje em condições favoráveis de alcançar esse objetivo? Parece-nos que, tal como na Antiguidade, também hoje esta ética é incapaz de ser universal (extensível a todos), apenas acessível de modo frágil e restrito a quem se aventura a resistir a determinados poderes, através de técnicas do si que conferem mais exercício de liberdade.
Coordenação
Adelino Cardoso (CHAM)
Nuno Miguel Proença (CHAM)
Organização
CHAM / NOVA FCSH
Seminário Permanente “Ciência e Cultura – Quebrar Fronteiras”