A Biblioteca Nacional acolhe a 6 de Dezembro o Workshop «Philippine Objects in the Context of European Colonial Gears (Late 19 th - Early 20 th Centuries)». Stephanie Coo – que organiza o evento juntamente com Paulo Pinto – fala, em entrevista, sobre a forma como os objectos contribuem para a compreensão do passado e explica como ajudam a reescrever a historiografia. Juntam-se à conversa três investigadores que participam no workshop: Franz Wendler, Patricia Dacudao e Hernando Salapare III.
Mesmo sem voz, os objectos contam histórias e podem contribuir para a escrita e reescrita da historiografia?
Stephanie Coo: Sim, os objetos podem comunicam. Alguns de forma ruidosa, outros de forma subtil. Existem diferentes abordagens que permitem estudar como os objectos pode contar histórias na perspectiva das ciências sociais e naturais.
Franz Wendler: Os objectos e quem os possui deixam a sua impressão molecular e a sua assinatura, fazendo ecoar a sua voz em futuras interpretações dos historiadores.
Stephanie Coo: A materialidade e a tangibilidade dos objectos despertam a imaginação e desvendam o mundo das pessoas que lhes deram vida e daqueles que os usaram, adquiriram, fizeram circular ou coleccionaram. Mesmo na sua aparente vulgaridade, alguns captam a grandiosidade, outros o «essencial» da existência quotidiana, servindo como fontes primárias que, de outro modo, não são preservadas em registos convencionais ou oficiais. Ao complementarem as evidências textuais e iconográficas, os objectos podem expandir o conjunto de dados de investigação acessíveis, transmitindo narrativas sobre o tempo e o lugar em que foram produzidos, bem como fornecendo vislumbres das questões e desafios para os quais esses objectos ou tecnologias foram inventados ou criados.
De forma geral, que novas histórias contam os objectos filipinos? Podem dar um exemplo concreto?
Stephanie Coo: O estilo, a manufactura, os pormenores dos objectos e os padrões dos objectos revelam o processo de pensamento, as competências técnicas e as redes de comércio e de distribuição dos grupos de pessoas que trabalham em determinados contextos. À medida que o conceito, construção e qualidade dos artefactos – e os gostos, padrões e opiniões das pessoas sobre a estética – mudam ao longo do tempo, estes captam pormenores sobre determinados momentos da História, revelando aspectos sobre os fluxos e refluxos de impérios, colónias e comunidades.
Patricia Dacudao: Uma abordagem histórica centrada no objecto é um conceito inclusivo. O conceito permite a ampla inclusão de múltiplas vertentes de forças políticas, económicas e culturais de grande alcance na História, sem menosprezar o papel central dos sentidos e dos indivíduos cujas vidas foram tocadas e transformadas pelo objeto sujeito.
Stephanie Coo: Estudar os objetos através, por exemplo, da lente de experiências sensoriais ou emocionais permite aos investigadores estrangeiros, como eu, contornar as barreiras culturais e linguísticas e desenvolver narrativas ao analisar peças que, em geral, têm usos comparáveis em diferentes culturas. Por exemplo, ler sobre carruagens e coches em textos primários de finais do século XIX sobre as Filipinas coloniais espanholas e ver miniaturas em arquivos espanhóis e alemães levou-me a refletir sobre a viagem dos objectos, bem como a examinar objectos semelhantes guardados em arquivos de outras culturas, particularmente no Museu Nacional dos Coches de Portugal. Este exercício de compreensão da utilização funcional de certos pormenores da carruagem permitiu-me, por um lado, descobrir as semelhanças e diferenças entre artigos e produtos semelhantes provenientes de diferentes tradições culturais e, por outro, revelou alguns elos em falta nas histórias cruzadas de Espanha, Portugal e Filipinas que me permitiriam «completar» a narrativa.
A reescrita da História é feita quotidianamente pelos historiadores, através da sua investigação e das suas descobertas. Como podem os historiadores contribuir também para a «decolonização do conhecimento» nos museus, nomeadamente no que diz respeito às Filipinas?
Stephanie Coo: O estudo de objectos concretos pode melhorar a forma como os investigadores e os profissionais de disciplinas afins escrevem sobre o passado, podendo assim confirmar ou questionar as interpretações existentes baseadas em fontes históricas tradicionais, bem como a informação obtida a partir dessas fontes.
Hernando Salapare III: Estudar objectos históricos utilizando ciências materiais é importante, porque pode fornecer perspectivas sobre as actividades do dia-a-dia das sociedades do passado e acompanhar a evolução da tecnologia ao longo do tempo. Por outro lado, as técnicas de caraterização de materiais podem avaliar o estado de conservação dos artefactos e avaliar métodos de conservação anteriores, conduzindo a melhores práticas.
Qual a importância da realização deste evento académico, que, aliás, surge no seguimento de um conjunto de conferências e publicações relacionadas com as Filipinas, em colaboração com a Embaixada daquele país?
Stephanie Coo: Os objectos podem ser estudados, entre outros, de um ponto de vista histórico, psicológico ou empresarial, promovendo conversas sobre práticas comerciais, padrões de consumo, trocas culturais, etc. A ideia subjacente a este workshop é a troca de conhecimentos e metodologias, aceder a diversas perspectivas, solicitar novas ideias e descobrir novas formas de estudar a cultura material, reunindo académicos, investigadores e cientistas de várias disciplinas, incluindo ciência dos materiais, biologia molecular, antropologia, arte, história cultural e económica, trauma, estudos literários e museológicos. O apoio do governo filipino é crucial para a produção de publicações de elevada qualidade, baseadas em investigação original, profunda e sólida.
Texto: Isabel Araújo Branco.