
Recentemente o NOVA Science & Innovation Day atribuiu um prémio à narrativa de impacto «Offering authentic travel experiences and genuine cultural exchanges» referente ao projecto «TravelconT. The Crossroads of Contemporary Travel in Postcolonial Tourism». Fomos conversar com Maria João Castro, a investigadora principal, para saber mais sobre o tema. Falámos sobre turismo proativo, as diferentes memórias sobre o período colonial português e a implementação do projecto em Zanzibar, Sri Lanka e São Tomé e Príncipe.
Pode apresentar-nos resumidamente o impacto cultural do projecto «TravelconT. The Crossroads of Contemporary Travel in Postcolonial Tourism»?
O projecto «TravelconT», acrónimo de «Cruzamentos da Viagem Contemporânea no Turismo Pós-Colonial», tem como objectivo mapear e promover trânsitos turísticos na óptica do Turismo de Memória (Colonial) enquanto meio de construir cultura e definir identidades, sendo este um facilitador da integração do turismo na História, tornando-se parte dela. Porquê? Porque o turismo tem o poder de aliar saber e fruição a partir de uma história híbrida, temporariamente partilhada como foi a dos impérios coloniais. Claro que abranger em 6 anos as diferentes geografias do antigo império português seria utópico pelo que houve a necessidade de seleccionar um conjunto de destinos optando-se por geografias menos óbvias como Zanzibar ou Sri Lanka, em detrimento de territórios mais estudados a nível colonial, como Moçambique ou Angola.
O projecto «TravelconT» procura fortalecer as comunidades locais e promover conexões interculturais significativas, entre outros. Como está a ser desenvolvido este objectivo?
Uma das vertentes basilares de «TravelconT» é o de se ancorar numa rede de trabalho em sinergia, em cocriação com tutelas, instituições privadas e comunidades. No que concerne às comunidades, há já duas frentes em desenvolvimento: uma, em S. Tomé com a CACAU (Casa das Artes, Criação, Ambiente e Utopia) no sentido de publicarmos um livro a partir do storytelling local, volume que constituirá um recurso singular a proporcionar ao visitante. O impacto é dual: um, permite registar narrativas orais familiares, locais e regionais fazendo com que não se percam; outro, permite oferecer um produto genuíno ao visitante fazendo-o conhecer melhor a cultura anfitriã. A segunda frente é no Sri Lanka, onde se está a desenvolver um projecto com a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Moratuwa no sentido de os alunos equacionarem um projecto de recuperação de uma ruína portuguesa com vista a convertê-la num activo turístico. O desenrolar destas iniciativas é promissor mas depende maioritariamente da vontade de concretização da instituição parceira: por vezes há atrasos, recuos e desistências e temos de procurar alternativas. Foi o que aconteceu na Ilha do Príncipe com o governo regional, o que obrigou a procurar um novo cooperante capaz de abraçar o projecto e levá-lo adiante.
O chamado turismo pós-colonial envolve muitas pessoas hoje em dia? E em que se distingue de outros tipos de turismo?
Esta tipologia turística insere-se no turismo cultural e deriva para um turismo de memória (colonial), em que o visitante seleciona o destino por motivos memorais que se ligam ao património remanescente do tempo colonial. É preciso perceber que, aquando das independências, muito deste edificado foi abandonado ou mesmo destruído, pois representava um tempo subalterno que era preciso apagar. Hoje, os governos destas nações perceberam que estes equipamentos têm um potencial turístico enorme, contando uma história única pelo que o têm vindo a reconstruir com vista a uma utilização cultural-turística, como transformar fortes em museus (antigo forte de S. Sebastião em Museu Nacional de S. Tomé) ou casas de colonos em hotéis boutique (Roça Sundy na ilha do Príncipe). Hoje em dia, é um segmento do turismo cultural em expansão, pois tem a ver com identidade, conceito em voga num mundo cada vez mais igual (cadeias hoteleiras, restauração transcontinentais), onde se corrigem assimetrias e se massificam os equipamentos de oferta. Porque o turista procura um cenário diferente do caseiro, quer conhecer ambientes distintos do seu quotidiano.
Como se conjugam as diferentes (e muitas vezes contraditórias) memórias referentes ao antigo território colonial português?
Este tipo de turismo é, acima de tudo, intercultural exigindo uma maior percepcção da História ao turista. Claro que cada um a interpreta segundo as suas convicções, mas o que interessa a TravelconT é alocar conhecimento para uma prática da viagem de fruição mais profunda e impactante. Porque o turismo é um veículo privilegiado de interculturalidade, uma vez que é uma atividade transversal à sociedade global atual. Então, é uma excelente ferramenta de melhores práticas e melhor usufruto das geografias singulares do planeta.
Essas memórias distinguem-se também em função dos diferentes espaços?
Claro. Nas antigas colónias ultramarinas onde houve uma guerra colonial há uma memória mais sofrida e mais presente (como Angola e Moçambique), ao passo que onde a passagem/perda do território foi menos beligerante ou se concretizou há séculos (como o Sri Lanka ou Zanzibar) mantém uma memória menos cruel com o passado colonial. O tempo suaviza e aligeira a memória e isso traduz-se também na forma como os governos destes países veem este património herdado: antes, um registo de hegemonia que interessava apagar; hoje um activo diferenciador com potencial turístico a promover. Em síntese, «TravelconT» pretende aliar património de influência/herança colonial e turismo empoderando turistas e residentes. Para que tal se efective «TravelconT» pretende criar uma Rota de Aliança (com base no património colonial mas que se estende ao património natural e imaterial autóctone) a ser divulgada por stakeholders, bem como a criar um Kit de Boas Práticas que tem como foco convidar o turista a deixar o local visitado melhor do que encontrado, oferecendo parte do seu know how profissional (segunda língua, informática, promoção da leitura com oferta de livros, etc.) sem as desvirtuar. Procura-se fomentar um turismo proativo e não reativo e, por isso, «TravelconT» alinha com os Objetivos de Desenvolvimento (ODS) das Nações Unidas e da sua agenda 2023, sendo membro colaborador (https://tourism4sdgs.org/research/travelcont/). Ao facultar esta partilha cria-se responsabilização e motiva-se o turista a envolver-se localmente num compromisso que cria experiências mais imersivas e laços mais profundos tornando-as memoráveis, uma das grandes tendências do turismo pós-pandemia.
Texto: Isabel Araújo Branco
Website do projecto: www.fcsh.unl.pt/artravel