
O projecto «Perdidos no tempo. Achados no mar» já apresentou duas mostras em Lisboa entre Setembro e Novembro: as exposições «Pares improváveis» na Praça de Campolide e «Vitrine de curiosidades» na Reitoria da Universidade NOVA de Lisboa. Ana Catarina Garcia, membro do projecto, conversa sobre o desenvolvimento da consciência ecológica e o contributo destes eventos para alertar para o impacto da poluição nos oceanos, em particular os mais novos.
Como foram escolhidas as peças para as duas mostras do projecto «Perdidos no tempo?
As exposições tiveram duas formas diferentes de se apresentar, apesar de estarem ligadas e terem o mesmo propósito, isto é, estabelecer um diálogo sobre o descarte de materialidades no mundo humano ao longo da história, focando-se nos binómios orgânico e inorgânico, passado e presente, utilidade e desperdício, e nos conceitos de materialidades, permanência e de poluição marinha. Na exposição «Pares Improváveis», procurámos materialidades que se ligassem com os objetos que o projecto «Plasticus Marítimus» trabalha, resultado das recolhas que a Ana Pêgo faz regularmente nas praias e com temáticas relevantes para o projecto 4-Oceans, como o marfim de mamíferos marinhos ou objectos feitos a partir de carapaças de tartaruga. Em pares, tentamos dialogar com estas duas dimensões, por um lado objectos do passado feitos a partir dos animais do mar e por outro o plástico que o veio substituir mas que polui quando abandonado no ambientes aquáticos. Na exposição «Vitrines de Curiosidades», as materialidades tiveram sempre a ver com o universo marinho e marítimo, mas recorremos a objectos que nós próprias temos nas nossas coleções privadas, materialidades dos nossos afectos e da nossa investigação que de alguma forma estão ligadas ao estudo do passado dos oceanos e às composições/instalações artísticas que a Ana Pêgo cria com base no lixo marinho que recolhe na sua actividade de beachcombing.
A história dos humanos é também uma história do lixo e dos desperdícios?
Sim. Na verdade, conhecemos grande parte da evolução humana, com base nos desperdícios que as diferentes culturas e sociedades foram abandonando ao longo dos tempos. A arqueologia é precisamente uma das ciências que estuda e reconstitui a evolução humana com base na materialidade que foi deixada para trás e que deixou de ter utilidade..
A consciência ecológica e as preocupações com o impacto do lixo no ambiente e nos humanos são recentes ou encontramo-las já em outras épocas?
A consciência ecológica como a entendemos hoje é algo do nosso tempo, que vem com o acumular do conhecimento empírico e do conhecimento científico consolidado sobre os impactos de determinados elementos tóxicos têm no nosso ambiente. Contudo, algumas sociedades do passado, de alguma forma cientes de que grandes acumulações de detritos poderiam estar relacionadas com perigos para a saúde ou para o bom funcionamento dos espaços funcionais, já demonstravam algumas preocupações. Não tendo uma dimensão ecológica ou ambiental como a entendemos hoje, mas antes uma necessidade de manter a ordem e a harmonia das vivências, tentavam diminuir o que consideravam ser factores de risco para o bem-estar das pessoas.
Estas exposições têm por base um trabalho académico intenso e dirigem-se ao público em geral. Que impacto na comunidade se pretende obter?
Esta exposição pretende em primeiro lugar alertar para a poluição nos oceanos, como uma das principais preocupações ambientais da actualidade, sendo considerada um problema ambiental e social global com impacto no planeta para as gerações presentes e futuras. Desta forma pretendemos contribuir para a tomada de consciência e para a importância do papel individual de cada um de nós enquanto consumidores e sobre a forma como abandonamos resíduos sólidos que podem ser tóxicos para os oceanos, como os plásticos. Mas, para além disso, pretendemos contribuir para uma chamada de atenção para a forma como os humanos ao longo da história sempre consideraram a infinitude dos oceanos e dos seus recursos e de como ao longo do tempo fomos também utilizando os recursos do mar, seja para alimento, como elementos colecionáveis ou de adorno como pérolas ou marfins, ou ainda como fonte de energia como ocorreu com os óleos produzidos através da gordura de diversos animais, permitindo iluminar casa e espaços urbanos, ainda antes da energia elétrica. Esta consciência não está trabalhada na sociedade em geral e esta exposição pretendeu ser um contributo societal e de disseminação de projectos científicos relevantes para o CHAM, como o 4-Oceans, que se debruça sobre o passado dos oceanos e também o DUST que se foca na história da poluição marinha.
O projecto está associado, entre outros, a um livro dirigido a crianças e jovens, Plasticus Maritimus. Uma Espécie Invasora, de Ana Pêgo, Isabel Minhós Martins e Bernando P. Carvalho. Os mais novos são um público-alvo preferencial?
São um dos públicos-alvo, sim. Trabalhar com as camadas mais jovens é essencial para uma maior consciencialização das novas gerações. Muitas das visitas guiadas feitas pela Ana Pêgo dirigiram-se a esse público, mas também para alunos da NOVA FCSH, como a turma de primeiro ano da licenciatura de Arqueologia, que visitou a exposição com a Ana Pêgo e tomou contacto também com esta perspectiva sobre a materialidade contemporânea e a passada.
Texto: Isabel Araújo Branco.
Exposição «Perdidos no Tempo. Achados no Mar — Vitrine de Curiosidades»
Exposição «Perdidos no Tempo. Achados no mar — Achados no Mar. Pares Improváveis»